Data: 14/02/2013 / Fonte: Revista Emergência
Há 51 anos o Brasil não enfrentava um incêndio tão rigoroso. Desde as 400 mortes do Gran Circus Norte-Americano, em Niterói/RJ, em dezembro de 1961, ocorrências importantes foram registradas, especialmente na década de 70, mas nada comparado em número de vítimas com o incêndio da boate Kiss, em Santa Maria/RS, em 27 de janeiro. Os 237 mortos confirmados até 3 de fevereiro representam um duro golpe para familiares e amigos das vítimas, mas também para o poder público, incluindo aí prefeituras e corpos de bombeiros em todo o país. O discurso comum até então, de que as políticas de prevenção empregadas deixaram no passado os grandes sinistros, ruiu junto com a casa noturna e os sonhos de centenas de jovens vitimados.
Para especialistas em segurança contra incêndio ouvidos por Emergência, o episódio de Santa Maria é catastrófico, mas não uma surpresa. "Não surpreende e pode se repetir em qualquer lugar do Brasil", lamenta José Carlos Tomina, superintendente do CB 24 (Comitê de Segurança Contra Incêndio), da ABNT. As vulnerabilidades apresentadas pela boate Kiss, conforme apontou a investigação policial já na semana seguinte à tragédia, são comuns a casas noturnas e outros locais de reunião de público no país: ausência de saída de emergência, iluminação e sinalização de emergência deficitária, extintores ausentes ou falhos, falta de funcionários treinados para emergências, entre outros itens legalmente exigidos, mas por vezes ignorados. "Há um sistema falho que leva muitos a não cumprirem suas obrigações. Não adianta culpar A, B ou C só. O procedimento precisa ser aprimorado para chegarmos a um nível adequado de segurança. Que estas mais de 200 mortes não sejam em vão", reforça Tomina.
A tragédia de Santa Maria foi um choque de realidade. Nos dias que se seguiram ao desastre, enquanto as vítimas eram sepultadas, corpos de bombeiros de todo o país anunciaram a revisão de seus processos de licenciamento e intensificaram a fiscalização de casas noturnas em seus estados, notificando estabelecimentos com pendências legais. O poder público, por meio de prefeituras e governos estaduais, também prestou esclarecimentos sobre suas situações particulares. Em Alagoas, o governo anunciou que os bombeiros passariam, a partir daquela data, a ter poder para interditar casas de shows irregulares. No Rio de Janeiro, uma força tarefa foi anunciada para que as vistorias alcancem o maior número de locais no menor tempo possível. Teatros, casas de show e museus que funcionavam sem autorização do Corpo de Bombeiros foram preventivamente fechados. Já em São Paulo, foi anunciada a fiscalização conjunta entre bombeiros e fiscais da prefeitura da capital. Na avaliação do comandante do Corpo de Bombeiros de Pernambuco e presidente da Ligabom (Liga Nacional dos Corpos de Bombeiros), coronel Carlos Eduardo Casa Nova, o momento é de passar a limpo as irregularidades para evitar que os incêndios se repitam. "Toda vez que tratar destes casos, que se trate com todo rigor e responsabilidade, para que não haja possibilidade de haver tais eventos numa situação de risco tão alto", diz.
A mobilização após a tragédia vai ao encontro da afirmação de Tomina: sobram leis e normas, falta fiscalização. "Existem 64 normas brasileiras na ABNT só de incêndio e legislação à vontade. São 27 regulamentações estaduais. Se for cumprido o que está escrito, se for para a prática o que está escrito no papel, lá (Santa Maria) não teria acontecido e teríamos edificações melhores do que temos", afirma. "É uma hora na qual temos que parar e dizer: tem algo errado, precisamos parar de fazer as coisas na brincadeira, porque vimos que esta brincadeira custou caro demais", salienta Salomão de Almeida Neto, diretor-presidente da ABSpk (Associação Brasileira de Sprinklers). Para ele, não há dúvidas de que a tragédia motivará mudanças. "Este sinistro não foi o primeiro no mundo. Já ocorreu nos Estados Unidos, na Argentina, na Rússia, ou seja, já temos exemplos. Nestes lugares, a primeira medida, além de uma série de consequências judiciais, foi o aumento da exigência técnica", diz. Salomão defende que o Brasil passe a adotar um curso superior de Engenharia de Proteção contra Incêndio, forme técnicos para elaboração de projetos na área, melhor qualifique os corpos de bombeiros de todo o país, com a possível uniformização dos decretos estaduais e, por fim, que o Brasil abrace as novas tecnologias que estão disponíveis e são solução no mundo inteiro contra incêndios. Conforme Salomão, no incêndio da boate Kiss, caso existisse um sistema de proteção por sprinklers (chuveiros automáticos), o fogo seria debelado em cerca de um minuto. "Provavelmente haveria um tumulto e não diria que não pudesse haver uma fatalidade, mas seria um número muito menor, se houvesse", afirma.
Já Sérgio Baptista de Araújo, tenente-coronel da reserva do CBMERJ (Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro) e consultor na área de proteção contra incêndios, cita os sistemas de ventilação e de controle de fumaça, com pequenas aberturas, semelhantes às antigas claraboias, que minimizariam o problema. "O ambiente se torna mais claro e as pessoas conseguem identificar as rotas de saída, desde que estejam devidamente sinalizadas", pondera. "O que matou em Santa Maria foi a fumaça, não o fogo, nem uma explosão de gás. Nenhum lugar no Brasil está preparado para lidar com a questão da fumaça", acrescenta.
Confira a reportagem completa na edição de fevereiro da Revista Emergência
Reportagem de Rafael Geyger
Foto: Deivid Dutra
fonte:http://www.revistaemergencia.com.br/noticias/leia_na_edicao_do_mes/incendio_em_santa_maria_choca_mundo_e_exige_mudancas/A5jgAcji-acessado em 18/02/13